quinta-feira, 20 de novembro de 2008

22

Carregava um morto na mente. Pesava. Bastante. Nem se deu conta do fato. Daquele dia guardado na lembrança. Culpa. “Quem sou para ter culpa, não há controle. Morrer faz parte da vida. E quem sabe um dia?” Incógnita era Suzi quem pensava. Arrogante atropelava sempre as portas de bares. Obcecada. Precisava ganhar a energia dos pós, do retoque de um sorriso na cara. Face travada e esculpida, rebocada numa gravura do nada.
Sentia muito sua falta e sabia que ele sentia-lhe muito, onde estivesse. Quer no inferno, pelo amor de Deus. Que culpa tem os céus? Ninguém sabia. Que Robbie almoce churrasco. Sangue nas veias – saudades.
Foi um dia aparentemente normal. Ninguém esperava por ela. Ela também por ninguém. O copo rodava o gelo. O limão amargava a dose. O cheiro cítrico da vodca fermentava um estômago já cheio de calos. A ânsia de um dia tranqüilo. A fuga constante do passado. Sabia desde o início, mas não queria na verdade é ter sabido de nada. Consentia fugida, refugiada em silêncio, calada.
Lembrava vagamente de um tal de Zarrô. Pronunciava errado e de propósito. Só para incomodar e se esquecer de tudo. Não era temor e nem covardia. Era angústia. Bebia. Trepava. Esvaía pelos poros da vida. Amava pouco, embora se divertisse. E mais nada. A velocidade desligava a memória. Entrava em transe. Parava por onde houvesse porta. Ficava no carro. Carregava um morto sentado macio num canto do estofado, separado da consciência efusiva. Sabia desde sempre. Esquecia.

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