quinta-feira, 20 de novembro de 2008

VIOLENT TIMES 01


Uma base de blues sampleada ao extremo diluía meus ouvidos. Nenhum ser de outra galáxia estava ali. A música fluía sonoramente impecável. O ambiente é a gente é quem faz. Ninguém entende nada o que se está dizendo. Bebe-se. Nada a fim.

- Anda ... (um dizia)
- ‘Tô indo. (outro respondia)
- De pressa, meu irmão. Anda. (em apuros um)
- Estou sem pressa alguma, não tenho nada a ver com o roubo. (outro sumia)

De um lado foi uma época de muito glamour, coca, ácido e internet. Mas foi uma época barra pesada. Tinha gente que ia para rua descolar rango. Sem um tostão furado. Embora não seja desses vazios intestinais que discorre esse fluxo no texto.
VIOLENT TIMES

02

No porão onde moravam, os escombros eram os próprios móveis. O computador ligado na rede comunicava Robbie com o mundo. Os jogos lhe antenavam com os avanços tecnológicos. Suzi ouvia música o tempo todo e comia coxinha. Ele secava as caixas de leite. Ela escovava os dentes. Na boca de Robbie dentadura.
Robbie tomava nos canos. Suzi cheirava cocaína e bebia uísque. Eles trepavam como loucos – só de camisinha. Ele era soropositivo. Ela era ruiva e ele era punk: Operation Ivy, RDP, Cramps, Dead Kennedys. Ela era louca e se trancava em qualquer banheiro. Enquanto Robbie se picava dentro do carro. Suzi dirigia sempre trincada. Anestesiada. Ligada. O toca-fitas rodava som punk.
Robbie se afundava na poltrona do carona. Com uma mão apertando o braço esquerdo. Picado. Com olhos tontos e embaçados. Com a boca aberta, respirava com a língua de fora. Sem nexo, tinha alguns lapsos. Endireitava-se na poltrona. Depois soltava. Passava os dedos pelo vidro da frente do carro. Voltava. Aos poucos conseguia falar. Suspirava. Coçava a cabeça. Esquecia-se do pico.
Desceram do carro e entraram num bar, ambos determinados. Sentaram-se juntos ao balcão e se paqueravam. Um roçava a perna da outra. Ela de saia mostrava-lhe a buça. Ele sorria e pedia mais uma cerveja. Ela levantou. Caminhou-se para o banheiro e de repente virou-se. Fez com o dedo. E chamou, o que Robbie foi atrás e de fuderam quinze minutos no toalete. Saíram extasiados e felizes. Mataram a cerveja. Ela no colo do cara. Pagaram a conta e deixaram os trocados. Pro barman. É claro.

03

Um trem avançou o sinal. Ninguém ouviu. Houve poucas vítimas. Ouviram pouco o ruído. Descarrilaram vagões, esvaziaram produtos de minério. Ainda resta. Explora-se pouco no país. Terra que tudo dá. Milhões de famintos equivalem aos milhões de obesos no mundo. Viva a lipo. Aspiração de muitos. Muitos passam fome. Quem quer saber disso?

NOTICIASINOPORTUNAS
INOPORTUNAS
OPORTUN

Com os dentes preparou um grampo. Amarrou uma mexa que pousava-lhe na testa. Estalou seus chinelos. Saiu andando. Num ombro uma cesta. No outro – uma alça de vestido caída. Tinha um rebolado rítmico. Sincopado. Num tecido azul claro de flores brancas, miúdas. Cabelos cacheados, castanho-claros. A mão esfregava as cochas roliças. Enquanto o moço ficava deitado. Calmo.
Esbórnia, era ela, iria comprar pão. O padeiro atendeu cordato. Assim que a senhorita entrara. A padaria estava vazia como de costume. De tarde. Àquelas horas.
- Tem pão fresco? (ela assuntava)
- Aqui dentro. (respondeu o padeiro)
De lá dentro a moça escolhia o pão. “Esse aqui ou aquele ali”, a menina pensava. Com a mão apertou os bagos do cordato rapaz de quase meia idade. “Avançada”, o robusto pensava. Enquanto fodiam, ela pagava os pães sem mais. E o moço ficava em casa. Descansando.

04

Chegava apressada em casa. Esbórnia, como de costume, cantava enquanto esquentava o rango. O nenê fitava a mão solícita no fogão. O homem roncou no quarto. Ela lhe respondeu:
- Já vai.
Na porta secava as mãos com o pano de prato ali dependurado. Com pés descalços, esfregava, esfregava um no outro, enquanto reparava no moço – sem camisa e deitado.
Antes de cinco minutos marcados na parede com relógio, a moça estava nua como veio ao mundo. Gemia de verdade sobre as esporadas. Uma coisa acaba desfrutando o corpo quente dessa desfrutável na cama e desbocada na rua. O cheiro vinha da cozinha. Gemiam. Bem pouco depois do meio-dia.
**************
- QQ...
- QQuanntas horas? (perguntava Sinis delicadamente)
- Três. (disse Zarro, seco).
O universo realmente não presta. Quando foi comprar o novo disco do U2. O livro do Bukowiski desisti na metade. Ontem foi à aula e matou todas na cantina, bebendo com os caras. Hum... Madalena. (pensava Zarro)
- O ônibus...
- Oi. (tentava responder Zarro)
- Você vai ficar aí viajando... ou? (resmunga Sinis).
- Vá para o inferno! (corta Zarro)
****************
Um pombo cagou na sua manga da camisa. Estava limpa desde ontem, mas que nada> A pressa. Essa é a hora dos ônibus lotados e dos odores e dos sovacos úmidos. Com certeza não era para ele estar nessa agora, era para ele estar em casa. Nem trabalha. Parece que ele estava perturbando o caos dos outros. “Que que eu estou fazendo aqui?” Fez suas compras e bebeu cerveja. Gasta-se dinheiro nesse mundo. “Fazer o que com as moedas?” Não se lembra, era Zarro.

05

Quaisquer músicas dançavam, naquele dia, até sem música. Mesmo. Estavam empolgados. Era festa. Desfilava romântico. Azarava. Bebericava e se entorpecia. Queria um estado extraordinário. Esperava por um movimento em falso. O acaso. Estava ali. Pronto. Parado e estagnado à espera de algum desavisado.
- Podia até te dar, mas... e eu?
- Gozava.
- E depois? (nem parecia Suzi)
- No mínimo vivia e no máximo não perguntava. (cortava Zarro)
Ela estava de lenço na cabeça e de bobs por baixo. Um saiote curto de listras largas, azuis num degradé. Assim, chutou a porta de um bar numa zona tropical que parecia Estado do México. Onde Zarro se afogava numa dose de tequila. Vestia uma camisa de linho e mangas longas. Divertia-se. Sua gravata lambia-lhe as costas. Antes de ir direto ao banheiro, Suzi o encontrou, antes de reconhecê-lo. Deixou sua bolsa no colo do quase embriagado. Na volta trocaram miúdos. Paranóica a ruiva não dava.
*******
- Dê-me um uísque. (pedia Biz, esquecendo da pinga)
- Cowboy? (perguntou o barman)
- Pode ser e se for, é claro. (não respondia Zarro)
Foi ali que conhece Suzi. Entrou espalhafatosa, direto para o banheiro. Acompanhando o caso. E tinha um cadáver no carro, percebia Zarro. Numa cidade tão longe que parecia bem perto do Novo México. Viva! Marcos!
Depois de ter comido um veado. Ele estava louco, mas Zarro não aceitava o fato, era até amigo de uma drag-queen. Exagerava. Pensava nisso, enquanto de soslaio via o presunto no banco de trás, na carona que arranjara no bar. A mulher era ruiva e ouvia David Bowie no toca-fitas do carro. Trincada ela dirigia, parecia que só assim conduzia. Zarro sacou o porquê do banheiro. Só não entendeu a cortesia da carona. Por uma companhia, não era.
- Preciso de ajuda. Me ajuda? (solicitava a moça ruiva)
- Pela carona... é claro.
- Quero que tire esse presunto do carro. Quando parar. Eu aviso. Fica calmo.
- Eu estou calmo. (respondeu apavorado Zarro).
O carro parou numa encruzilhada deserta. Devagar o rapaz retribuía-lhe o fato. Devagar jogou o morto no mato. Quando limpou as mãos, após a tarefa. A mulher deu a partida no carro. Pelo retrovisor a mulher fitava o cara diminuindo no ponto de fuga da perspectiva daquela imagem... no espelho retrovisor do carro. Foi nessas circunstâncias que Suzi conheceu... pois é (torturava-se a moça ruiva) não perguntei o nome a Zarro, com gravatas frouxas. E um cantil de uísque,

06

Na estrada extrapolavam na velocidade. Suzi ouvia o disco Hunkie Dory no talo do (volume do) toca-fitas do carro. O vento mexia com os cabelos desenrolados no ar movimentado da estrada. O cara era Zarro. Praticamente pelado. De camisa e de calças arriadas. Suzi o masturbava enquanto folgava algumas marchas no câmbio... do carro. Um posto de gasolina se aproximava. Encheram o tanque e aquela ocasião foi até oportuna. Ela perguntava para aquele frentista assustado:
- Nunca viu um homem pelado?


Chegaram a um hotel empoeirado naquele quase deserto. Jogaram umas bolsas para o alto. Afagaram a cama. Cansados. A moça foi rápido e colocou os calçados no surdo-mudo, parado no quarto. O cara deitou, na expectativa ouviu gotejado chuveiro. Suzi cantarolava Manu Chao. Sonolento viu um embaço. Que moça macia esfregava-lhe as carnes. Sem mais o que pedir... Zarro comeu: nunca mais se esqueceu que às moças finas não se pede – lambe-se o prato.


A cidade era cinza como todas eram também naquela época. Tinha praça e biblioteca. Os velhos sentavam ali todos os dias, enquanto as crianças se divertiam com os livros e os jornais. A escola era perto e com atendimento médico. Nem precisa de apelo de marketing e estúpido. Quase um gêmeo milênio. Naquela época as cidades cresciam em solo fértil. O dinheiro transitava na mão dos outros, de todo mundo. Por aí passaram algumas pessoas. Carros estressados buzinavam perturbando transeuntes. Ninguém pescava ali. As lojas pouco vendiam e nas lanchonetes os mosquitos polvilhavam. Foi na hora do rush.

07

- Por causa de Lia. (Bárbara)
- Da filha... (Hannah)
- Minha filha. Não posso ser egoísta. (concluiu Bárbara)
Na mesa da sala matavam o conhaque. Hannah secava a boca no último gole e desconversava sobre Sartre. Foram dormir mais tarde. Elas só queriam amanhã não lembrar de mais nada. Bárbara jogava tudo fora, no lixo. Garantindo o esquecimento. Colhendo as bingas espalhadas no chão. Guardando garrafas. Lavava os copos. Foi se deitar um pouco mais tarde. Enquanto Lia desaparecia nas almofadas da sala.


Por onde começa? No final que termina. Não tenha pressa. Evangelho da missa. As pessoas pensavam (como?). Ninguém entendia o certo. O brilho voltava como um ácido. Esquecia de tudo. Costurando os dias de fato. Para falar besteira, prefiro ficar quieto. A métrica não é tão importante. A máquina, repetia: a máquina. A fábrica, de manhã: a fábrica.

A luz refletia as cores. A sombra de um espelho d’água fazia o contraste. Sem defesa, com toda força ele reagia. “Depois de quantos dias o sol voltará a nascer?” Fazia um tempo frio, o vento tinha preguiça, as folhas nem secas sobraram. Os galhos realçavam a grama ressecada. Ele faz trinta anos amanhã. O sol tem preguiça. Todas as luzes e todas as cores estão fracas. Passaram dias. Belmiro Miranda lia a sorte em todas as esquinas da cidade. E que cidade? Caramba, não se entende nada. ‘lhufas.

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BOAS NOTÍCIASNO FRONTE DEGUERRRRRRRA



Levantem-se. Não quero ver ninguém dormindo no chão. Segurem as metralhas. Sem disparos giratórios, pelo amor de Deus. Chega de feridos no batalhão. Amanhã é dia de branco.

A paz nascia pela quinta vez. Só porque também não estava morta. Podemos ouvir Red Hot... and Blue and Chili Peppers. Comer chocolate também pode. Diz a sorte na mão…


Ela era uma menina linda e se chamava Lia. Óvulo fecundo achado por Bárbara. Devia ter uns quatorze anos ou para mais. Estudava e era do tipo... introvertida. Admirava por horas os movimentos calmos dos dias, enquanto pensava varrer a casa com piaçava.
Quem não se preocupava com tantos delírios e sonhos. Vis-à-vis: quem não delirava ou sonhava. Quem não caiu da cama, tomou remédio de drama. Quem não se contentava com a festa, porque mal esperava por ela.
Era uma menina sombria, calculava fórmulas, jogava sozinha gamão. Quem não estava sozinho? Lia criava seus seios sob medida e apertando os cintos torneava os quadris semi prontos: Calça justa, jeans. Usava alguns anéis e pulseiras nas mãos. Quem não se preocupava com Lia?

09

Bárbara não estava sozinha, como não estaria jamais. Sua filha olhava por ti. Velou seu sono por muito tempo. Até morrer. Apagava as luzes a noite. De noite as duas sonhavam... Juntas.
Foi quando ficaram felizes. Hannah ganhou um amigo. Suposto namorado, três anos mais velho. Um pouco calvo e barbeado. Falava da vida. Pragmático. Admirava bons vinhos e bebia. Fumava charutos e detestava Shopenhauer. Achava-o antipático. “Heresia”, pensava, Hannah, baixo.
Os olhos daquela menina brilhavam. Eram os de Hannah. Depois que o safado roubara-lhe um beijo na noite passada. Contava a moça sem fôlego. Atrapalhada. Não sabia se desistia ou se inventava. Se sorria ou se esperava. O amor é tão imperceptível como uma flor quando nasce; de repente floresce: está ali.

10

Devia ter uns três meses passados, nisso Lia foi morar, ou passar uns tempos, com os avós. Bárbara sofria o desconsolo da solidão. Ligava pouco. Atropelava os outros na rua. Hannah comeu boas borrachadas no curso dos meses. Enquanto isso... aquele cara já era um fantasma sem barba na televisão.
Olhava-se no espelho com profunda e atípica introspecção. Secou rápido os cabelos na frente da penteadeira verde coberta por loções, boticas homeopáticas. Enrolada nua por uma toalha refletia alguma solução – sem muito nexo. Pensava e já era sem tempo. chovia lá fora e Hannah não desligou, por causa disso, a televisão.

11

- Foi apreendido um arsenal de armas. Arsenal seria esse o coletivo! (chorou um noticiário propício na TV).
- E ninguém fez nada. (Retrucava Hannah, hipnotizada)
- Mais um gato foge de casa, bombeiros são obrigados a retirar diariamente, porque ratazanas invadem lares. (continua o noticiário...)
- Por isso é que o mundo não vai para frente. (Desconcentrava Bárbara ainda em frente ao espelho, no quarto dos fundos)


Nessas horas perguntava-se, por onde passava o planeta Terra senão inclinado rodopiando em torno de si, no universo. Rabiscava uma elipse de luz durante o ano. Com uma calma simétrica, sempre rítmica e caótica.

12

Um morreu desovado no asfalto. Esbórnia nem devia ter entrado nessa história. De alças caídas, pagava às bucetadas o pão nosso de cada dia. O moço continuava deitado. Seu campo de visão era o umbigo. Vasculhava um domínio de 270 graus. Do chão trazia uma caneca até a barriga. Se tivesse vazia gritava a Esbórnia que atendia sempre disposta enxugando as mãos nos panos de prato. Enchia no filtro perdendo os minutos – uma caneca de cerâmica fina. Ela colocava submissa ao lado da cama, campo do domínio de um homem podre entediado. Dela, uma alça descia aos ombros. Desvendando uma luz rosada na borda daquele mamilo.

13

“Era só o que me faltava!” pensava Zarro.
- Bom dia, Zarro! Que tem feito? (esmiuçava Sinis)
- Lido. Mais nada. (respondia rápido Zarro)
- Filosofia niilista e clássicos, imagino. (como quem quer continuar conversa diz Sinis)
- Alguns medievais, Sinis. (esclarece Zarro)
- Ouça Blondie, Talking Heads, B-52’s. (empolgante dizia Sinis)
- Que som é esse? Já estamos em 1989.
- New Wave. Despediam-se na rua, casualmente.
Preconceito? BAh! Inevitável se tivesse se lembrado. Em tempos atrozes como esses, nada depois de Bowie. Suzi que o diga. Nem gosta de se lembrar. Onde foi parar aquela moça. Pensava o esfuziante Zarro.

14

Lia chegou de surpresa. Um dia, cheia de malas. Enviara um e-mail, mas não dissera o dia.
- Nem me lembrava mais de sua cara, minha filha. (suspirava Bárbara)
- Que bons ventos lhe trazem, sobrinha. (Hannah mentia)
- Bom filho tia...
- à casa torna. (respondiam)


Trouxe muitos biscoitos, um prestobarba, uma navalha e um bocado de livros. Entre os livros, foi quando Lia lera os primeiros clássicos.

Os seios ficavam mais robustos. Torneava-lhe com mais força as cintas-ligas. No jeans surrado crescia uma menina menos melancólica e um pouco mais festiva. Todos se surpreendiam com os contos de Lia. Ninguém admirava o quanto tinha de vida escondida nas solas de seus velhos sapatos. Os cabelos cresciam – cortavam. Os olhos choravam – secavam. Ninguém ordenava: pediam-lhe com esforços medidos. Mediavam. Um dia ela foi raptada por gosto. Era um menino antigo namorado.
- Um tarado. Resmungava sua tia.

15

O dia era um daqueles dias cinza. O ar estava saturado. Desabaria um temporal a qualquer momento. As árvores cuspiam folhas num outono inconveniente. A livraria abria a porta. Depois do almoço, meio-dia. Hannah entrou e conferiu alguns números, confiscou uns clássicos franceses. Levou na bolsa Rimbaud, Mallarmé, Victor Hugo e Moliere. Comprou o noticiário local. Para ela, dizia “dinheiro deve ser bem gasto”.
Saindo dali, pegou uns trocados miúdos, juntou-os – comprou cigarros. Quando saiu do boteco parou um Corcel empoeirado com o volume máximo. Os lenços nos ombros, tamancos estalados no chão – despontava Suzi, impacientemente banheiro adentra.
Percebeu a determinação da moça ‘on the road’, sem saber aonde ir. Com a vontade de um retoque, de um pó. Só dirigia trincada e disso Hannah nem sabia. Dinheiro, pensava ela, com os livros do lado, guardados, deve ser bem gasto.

16

Robbie era apenas lembrança. Quando moravam num porão. Invadiram apenas para os cuidados daquele deprimente caso. Precisava de alguns reparos. Que foram dados com o passar do tempo. Descascaram um bom pedaço daquela parede. Apresentando os tijolos úmidos do lado que dava para fora. Ali no início seria um abrigo, para livrar-lhes dos pecados. Suzi cuidava de Robbie, mas cuidava agora de Zarro. Afundada na poltrona da sala, retornara a li Suzi. Imitava Robbie no carro. Quando afundava sem volta, cheio de pico, no sofá do carona do carro. Na sala, Suzi contemplava sua música alta. Comia coxinha e lembrava do acaso da vida. Entrara do mesmo jeito num bar ali perto. Onde Robbie de costas para a porta da frente tomava um copo de leite. Esse episódio já está contado.

17

A sala estava escura. O sol estava sob nuvens fartas. Tempo feio. A mesa estava coalhada de livros tortos, cigarros. Caneca vazia, copo cheio e quente. A música estava baixa. Chiava na vitrola um vinil. Um rock alternativo qualquer. Umas listas, uns rabiscos esboçados marcavam a presença.
Uma porta no fundo do corredor se abre. A descarga do banheiro da sala se ouvia. Não eram passos. Eram marcas macias. Uma mulher entrava nos livros, cabisbaixa. Num contato intuitivo com os gestos, ela se coçava. As pernas perfeitas dobravam-se na cadeira de palha. Uma camisa semi-aberta. Os botões não existiam. Amarram-se as bordas da camisa, sutil se esquecia. Era Hannah descarregando. Recarregando energia. Abastecendo a bateria.
Um cigarro aceso diluía-se veemente no ar. Uma penumbra cansava a imagem. O crepúsculo da tarde envelhecia a trama. Os óculos alcançavam as entrelinhas. Insight’s. Luzes clarearam um dia. Hannah destilava a alquimia.
Era serena. Não perturbava muito aos outros. Sem divisão de neuroses: cada um na sua. No silêncio e em longo prazo alcançava objetivos, talvez inalcançáveis a olho nu. Superava desafios sem muito barulho. Até que percebera as seqüelas do tempo florescer na pele. No cultivo de cosméticos baratos e afins. Na aeróbica. Na ginástica rítmica dos corpos sofria o passar do tempo. Em décadas.
Trabalhava e sustentava seus vícios. Habituara-se ao álcool. Biritas. Cigarros seguidos e crescentes durante o dia todo. Alimentava-se com besteiras na rua. Fazia poucos pratos na semana. A nicotina encardia-lhe. Na calada se esvazia tanto. Canalização de energia – positiva. Incensos. Sargeant Pepper’s. Oriente: Índia ou Chinatown, zen-budismo. Equilíbrio das forças. Coisas boas. Meditações esparsas e contínuas. Chuva ácida brinca no terreiro. Nada mais sobre Hannah. Nada mais.

18

- Adoro fuder com eles, apesar de suportar cada odor que me embrulha o estômago. Uma força bruta é capaz de lapidar belas pedras. Hannah concluía, mas continuava.
- Eu devia ter dezessete anos. Morava em república, mas eram mais de cinco num ap minúsculo. Uma das meninas era lésbica e me masturbava quando eu dormia. Quando enchia a cara eu desmaiava e ela toda vez me levava pro carro. Me lambia. Até que a Sandra, uma delas, seguiu-a numa noite de porre. Pegou. No outro dia eu conversei com ela. Nunca mais vi a moça.
Tomaram mais uma dose daquele conhaque. Suspenderam os lençóis e tentaram espantar o frio da madrugada. O som tocava baixo. A televisão brilhava imagens naquele quarto escuro. E ninguém precisa mudar muito as coisas desse mundo. Afinal, nada está livre de ser modificado.
Um quadro estava fora do esquadro. Uma caneca estava suja. Calcinhas, úmidas. Uma pasta de dente. Chinelos hawaiiana. Tudo ligeiramente fora de seus lugares.
Enquanto isso na TV, muda, passava o filme: Vampyros Lesbos.

19

Um vestido lindo rosado floria na praça. Uma alça caída nos ombros mostrava uma outra alça marcante. O corpo dela estava moreno. O nenê já crescia cabelo na franja – esticava. Os grampos prendiam os cabelos. Esbórnia lerda sorria na rua. Xingava aos mais atrevidos que arregalavam-lhe os olhos. Dentro da cabeça guardava um silêncio uníssono. Quando bebia, o barulho incomodava. Extrapolava em dias escolhidos por acaso. Um aniversário. Até que um disse-lhe:
- Que coisa bonita são os pés no chão.
- Normais. (Ela entregava)
- Imagino o resto.
Quando aquele vestido rosado passeava, a verga subia, todos, duros por ela. Nem expectador nem ator não o sentiam. Até que o mais atrevido (quando a moça agachada procurava os chinelos no quarto dos fundos), o rapaz chegou por trás daquela moça, em brasa. O chamego foi esquentando quando ela colou a mão na massa. Aí fudeu. Do corredor ouvia-se nitidamente a esparrela. O furdunço fazia um barulho abafado. No volume mínimo dos sussurros. A moça ainda pedia uns trocados. “Sem miséria” (ela gritava). Carregava sempre uma cesta dependurada no braço. O braço contrário da alça caída.

20

Estava sentado até agora. A mesa colecionava garrafas. Como devia ser. Os sonhos extrapolavam as raias da razão. Os copos secavam rapidamente. Cai um cidadão de pára-quedas:
- Senhor ‘tô com fome, dá uns trocados? (a pobre alma sofria)
- Leve essas moedas e me prometa que não volte.
- Deus lhe salve... (aclamava-o o pobre)
- Somos do mesmo saco. (afirmava Zarro).
Aquela mulher atravessou ventando por entre os vazios nos ombros, na área do pescoço. Um perfume particular. Zarro reconhecia o cheiro bom. A mulher, mais rápido que podia, fitava-o do outro lado do balcão. Fingindo descaradamente não lhe reconhecer. Paquerava piscando os olhos, mordendo lábios. Abria as pernas sob a saia justa. Curta. Na altura das coxas, a saia subia e descia.
Ia ao banheiro de quando em vez. Trocou até alguns miúdos com Zarro. Manteve-se à distância. Previne-se de antemão: ela não trepou com o cara. Tomaram algumas doses. Espremeram alguns limões, mas ficaram na saudade.

21

Estava de cara novamente. Acordou e se levantou mais cedo. Escovava os dentes fazendo caretas no espelho rachado do banheiro. Naquele porão úmido. Já era tempo de meia-estação. Brotava musgo pelos cantos. A música acorda junto com ela. Era Dead Kennedys, o que trazia Robbie sorrindo e careca aos pensamentos trovejados de Suzie. Uma menina cada vez mais ruiva. De olhar esverdeado.
Tomou um café bem quente e sacudiu logo depois sua cama. Dobrou suas cobertas – uma a uma colocando-as no armário. A bolacha punk rodou um lado. Não virou e colocou outro disco. Psychocandy – The Jesus and Mary Chain. Alto no volume máximo. Fritava algumas coxinhas. Ouvindo uma música que ainda estranhava. Pedais de guitarra japoneses? Foram comercializados pouco mais de meia dúzia. Diz que a família Reid adquiriu os seus.
Ligou a TV assim que alcançara a sala, onde o sofá ainda dormia, apesar do barulho das caixas de som. Barulho? Aquilo era música. Na mesa de centro estavam alguns apetrechos, que um por um escorrem narinas adentro. Suzi sorria. Entrava na música dançando performaticamente e sozinha.
Os clipes mudos compunham a estante daquela sala escura. A sombra da varanda ocultava uma menina louca em seu próprio eixo: rodopiava. Genial a sonora sonata inglesa.
Estava de cara novamente. Deprimida pelos cantos da casa. Até agora não lhe deu mais fome. Eram seis da tarde. O sol se escondia. O crepúsculo reforçava a sede daquela ruiva descabelada. O particípio participava com muita força naqueles tempos... de não sei quê? Beber cerveja.

22

Carregava um morto na mente. Pesava. Bastante. Nem se deu conta do fato. Daquele dia guardado na lembrança. Culpa. “Quem sou para ter culpa, não há controle. Morrer faz parte da vida. E quem sabe um dia?” Incógnita era Suzi quem pensava. Arrogante atropelava sempre as portas de bares. Obcecada. Precisava ganhar a energia dos pós, do retoque de um sorriso na cara. Face travada e esculpida, rebocada numa gravura do nada.
Sentia muito sua falta e sabia que ele sentia-lhe muito, onde estivesse. Quer no inferno, pelo amor de Deus. Que culpa tem os céus? Ninguém sabia. Que Robbie almoce churrasco. Sangue nas veias – saudades.
Foi um dia aparentemente normal. Ninguém esperava por ela. Ela também por ninguém. O copo rodava o gelo. O limão amargava a dose. O cheiro cítrico da vodca fermentava um estômago já cheio de calos. A ânsia de um dia tranqüilo. A fuga constante do passado. Sabia desde o início, mas não queria na verdade é ter sabido de nada. Consentia fugida, refugiada em silêncio, calada.
Lembrava vagamente de um tal de Zarrô. Pronunciava errado e de propósito. Só para incomodar e se esquecer de tudo. Não era temor e nem covardia. Era angústia. Bebia. Trepava. Esvaía pelos poros da vida. Amava pouco, embora se divertisse. E mais nada. A velocidade desligava a memória. Entrava em transe. Parava por onde houvesse porta. Ficava no carro. Carregava um morto sentado macio num canto do estofado, separado da consciência efusiva. Sabia desde sempre. Esquecia.
Era Nico na vitrola cantando All Tomorrows Party. Grave menina loura. Germânica se não minto. Estava tudo descrito para ser – num dia normal todos deveriam morrer. O rato gigante anunciava o obituário. O cemitério florescia naquela meia-estação. A terra do chão era remexida. Uma placa de cimento separa as duas dimensões. Uma da vida e a outra da morte. Os túmulos se encharcavam de cimento ao redor das covas. Parecia uma guerra assolando aquela cidade. Era mais uma epidemia: dos narcóticos para os verdadeiros crimes: a violência.

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

o fora das forças

As coisas se lapidam com a força
agora é aguardar o ventilar das ondas
meu chefe manda da porta para a fora
aqui mando eu
e o vento sai da minha boca

Copyright©JuNIn


São mais duas as rodas que despedaçam a velocidade aqui.

Se meus pentes não vacilassem

meus cabelos caíriam para trás.

Copyright © 2003 Junin

superspace versus cublandscape

no dia em que zizek virou romance
Enquanto o tempo passa
o cinema voa
a luneta enxerga mais uma estrela

Eu sei que não é assim
nada se vê
se esfuma o embaço
nas lentes de óculos

Cada um se interessa
por suas próprias letras
vaidade sincera e míopede um clark Kent
Pra dizer o que se pensa
se o que se diz se inventa
Há quem curta níveis de um platô
mas na tela ainda se tem Brigitte Bardot

Queria assistir a mais um Stones
I'm free to do what I want

Copyright©JUnin