quinta-feira, 20 de novembro de 2008

17

A sala estava escura. O sol estava sob nuvens fartas. Tempo feio. A mesa estava coalhada de livros tortos, cigarros. Caneca vazia, copo cheio e quente. A música estava baixa. Chiava na vitrola um vinil. Um rock alternativo qualquer. Umas listas, uns rabiscos esboçados marcavam a presença.
Uma porta no fundo do corredor se abre. A descarga do banheiro da sala se ouvia. Não eram passos. Eram marcas macias. Uma mulher entrava nos livros, cabisbaixa. Num contato intuitivo com os gestos, ela se coçava. As pernas perfeitas dobravam-se na cadeira de palha. Uma camisa semi-aberta. Os botões não existiam. Amarram-se as bordas da camisa, sutil se esquecia. Era Hannah descarregando. Recarregando energia. Abastecendo a bateria.
Um cigarro aceso diluía-se veemente no ar. Uma penumbra cansava a imagem. O crepúsculo da tarde envelhecia a trama. Os óculos alcançavam as entrelinhas. Insight’s. Luzes clarearam um dia. Hannah destilava a alquimia.
Era serena. Não perturbava muito aos outros. Sem divisão de neuroses: cada um na sua. No silêncio e em longo prazo alcançava objetivos, talvez inalcançáveis a olho nu. Superava desafios sem muito barulho. Até que percebera as seqüelas do tempo florescer na pele. No cultivo de cosméticos baratos e afins. Na aeróbica. Na ginástica rítmica dos corpos sofria o passar do tempo. Em décadas.
Trabalhava e sustentava seus vícios. Habituara-se ao álcool. Biritas. Cigarros seguidos e crescentes durante o dia todo. Alimentava-se com besteiras na rua. Fazia poucos pratos na semana. A nicotina encardia-lhe. Na calada se esvazia tanto. Canalização de energia – positiva. Incensos. Sargeant Pepper’s. Oriente: Índia ou Chinatown, zen-budismo. Equilíbrio das forças. Coisas boas. Meditações esparsas e contínuas. Chuva ácida brinca no terreiro. Nada mais sobre Hannah. Nada mais.

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