quinta-feira, 20 de novembro de 2008

VIOLENT TIMES 01


Uma base de blues sampleada ao extremo diluía meus ouvidos. Nenhum ser de outra galáxia estava ali. A música fluía sonoramente impecável. O ambiente é a gente é quem faz. Ninguém entende nada o que se está dizendo. Bebe-se. Nada a fim.

- Anda ... (um dizia)
- ‘Tô indo. (outro respondia)
- De pressa, meu irmão. Anda. (em apuros um)
- Estou sem pressa alguma, não tenho nada a ver com o roubo. (outro sumia)

De um lado foi uma época de muito glamour, coca, ácido e internet. Mas foi uma época barra pesada. Tinha gente que ia para rua descolar rango. Sem um tostão furado. Embora não seja desses vazios intestinais que discorre esse fluxo no texto.
VIOLENT TIMES

02

No porão onde moravam, os escombros eram os próprios móveis. O computador ligado na rede comunicava Robbie com o mundo. Os jogos lhe antenavam com os avanços tecnológicos. Suzi ouvia música o tempo todo e comia coxinha. Ele secava as caixas de leite. Ela escovava os dentes. Na boca de Robbie dentadura.
Robbie tomava nos canos. Suzi cheirava cocaína e bebia uísque. Eles trepavam como loucos – só de camisinha. Ele era soropositivo. Ela era ruiva e ele era punk: Operation Ivy, RDP, Cramps, Dead Kennedys. Ela era louca e se trancava em qualquer banheiro. Enquanto Robbie se picava dentro do carro. Suzi dirigia sempre trincada. Anestesiada. Ligada. O toca-fitas rodava som punk.
Robbie se afundava na poltrona do carona. Com uma mão apertando o braço esquerdo. Picado. Com olhos tontos e embaçados. Com a boca aberta, respirava com a língua de fora. Sem nexo, tinha alguns lapsos. Endireitava-se na poltrona. Depois soltava. Passava os dedos pelo vidro da frente do carro. Voltava. Aos poucos conseguia falar. Suspirava. Coçava a cabeça. Esquecia-se do pico.
Desceram do carro e entraram num bar, ambos determinados. Sentaram-se juntos ao balcão e se paqueravam. Um roçava a perna da outra. Ela de saia mostrava-lhe a buça. Ele sorria e pedia mais uma cerveja. Ela levantou. Caminhou-se para o banheiro e de repente virou-se. Fez com o dedo. E chamou, o que Robbie foi atrás e de fuderam quinze minutos no toalete. Saíram extasiados e felizes. Mataram a cerveja. Ela no colo do cara. Pagaram a conta e deixaram os trocados. Pro barman. É claro.

03

Um trem avançou o sinal. Ninguém ouviu. Houve poucas vítimas. Ouviram pouco o ruído. Descarrilaram vagões, esvaziaram produtos de minério. Ainda resta. Explora-se pouco no país. Terra que tudo dá. Milhões de famintos equivalem aos milhões de obesos no mundo. Viva a lipo. Aspiração de muitos. Muitos passam fome. Quem quer saber disso?

NOTICIASINOPORTUNAS
INOPORTUNAS
OPORTUN

Com os dentes preparou um grampo. Amarrou uma mexa que pousava-lhe na testa. Estalou seus chinelos. Saiu andando. Num ombro uma cesta. No outro – uma alça de vestido caída. Tinha um rebolado rítmico. Sincopado. Num tecido azul claro de flores brancas, miúdas. Cabelos cacheados, castanho-claros. A mão esfregava as cochas roliças. Enquanto o moço ficava deitado. Calmo.
Esbórnia, era ela, iria comprar pão. O padeiro atendeu cordato. Assim que a senhorita entrara. A padaria estava vazia como de costume. De tarde. Àquelas horas.
- Tem pão fresco? (ela assuntava)
- Aqui dentro. (respondeu o padeiro)
De lá dentro a moça escolhia o pão. “Esse aqui ou aquele ali”, a menina pensava. Com a mão apertou os bagos do cordato rapaz de quase meia idade. “Avançada”, o robusto pensava. Enquanto fodiam, ela pagava os pães sem mais. E o moço ficava em casa. Descansando.

04

Chegava apressada em casa. Esbórnia, como de costume, cantava enquanto esquentava o rango. O nenê fitava a mão solícita no fogão. O homem roncou no quarto. Ela lhe respondeu:
- Já vai.
Na porta secava as mãos com o pano de prato ali dependurado. Com pés descalços, esfregava, esfregava um no outro, enquanto reparava no moço – sem camisa e deitado.
Antes de cinco minutos marcados na parede com relógio, a moça estava nua como veio ao mundo. Gemia de verdade sobre as esporadas. Uma coisa acaba desfrutando o corpo quente dessa desfrutável na cama e desbocada na rua. O cheiro vinha da cozinha. Gemiam. Bem pouco depois do meio-dia.
**************
- QQ...
- QQuanntas horas? (perguntava Sinis delicadamente)
- Três. (disse Zarro, seco).
O universo realmente não presta. Quando foi comprar o novo disco do U2. O livro do Bukowiski desisti na metade. Ontem foi à aula e matou todas na cantina, bebendo com os caras. Hum... Madalena. (pensava Zarro)
- O ônibus...
- Oi. (tentava responder Zarro)
- Você vai ficar aí viajando... ou? (resmunga Sinis).
- Vá para o inferno! (corta Zarro)
****************
Um pombo cagou na sua manga da camisa. Estava limpa desde ontem, mas que nada> A pressa. Essa é a hora dos ônibus lotados e dos odores e dos sovacos úmidos. Com certeza não era para ele estar nessa agora, era para ele estar em casa. Nem trabalha. Parece que ele estava perturbando o caos dos outros. “Que que eu estou fazendo aqui?” Fez suas compras e bebeu cerveja. Gasta-se dinheiro nesse mundo. “Fazer o que com as moedas?” Não se lembra, era Zarro.

05

Quaisquer músicas dançavam, naquele dia, até sem música. Mesmo. Estavam empolgados. Era festa. Desfilava romântico. Azarava. Bebericava e se entorpecia. Queria um estado extraordinário. Esperava por um movimento em falso. O acaso. Estava ali. Pronto. Parado e estagnado à espera de algum desavisado.
- Podia até te dar, mas... e eu?
- Gozava.
- E depois? (nem parecia Suzi)
- No mínimo vivia e no máximo não perguntava. (cortava Zarro)
Ela estava de lenço na cabeça e de bobs por baixo. Um saiote curto de listras largas, azuis num degradé. Assim, chutou a porta de um bar numa zona tropical que parecia Estado do México. Onde Zarro se afogava numa dose de tequila. Vestia uma camisa de linho e mangas longas. Divertia-se. Sua gravata lambia-lhe as costas. Antes de ir direto ao banheiro, Suzi o encontrou, antes de reconhecê-lo. Deixou sua bolsa no colo do quase embriagado. Na volta trocaram miúdos. Paranóica a ruiva não dava.
*******
- Dê-me um uísque. (pedia Biz, esquecendo da pinga)
- Cowboy? (perguntou o barman)
- Pode ser e se for, é claro. (não respondia Zarro)
Foi ali que conhece Suzi. Entrou espalhafatosa, direto para o banheiro. Acompanhando o caso. E tinha um cadáver no carro, percebia Zarro. Numa cidade tão longe que parecia bem perto do Novo México. Viva! Marcos!
Depois de ter comido um veado. Ele estava louco, mas Zarro não aceitava o fato, era até amigo de uma drag-queen. Exagerava. Pensava nisso, enquanto de soslaio via o presunto no banco de trás, na carona que arranjara no bar. A mulher era ruiva e ouvia David Bowie no toca-fitas do carro. Trincada ela dirigia, parecia que só assim conduzia. Zarro sacou o porquê do banheiro. Só não entendeu a cortesia da carona. Por uma companhia, não era.
- Preciso de ajuda. Me ajuda? (solicitava a moça ruiva)
- Pela carona... é claro.
- Quero que tire esse presunto do carro. Quando parar. Eu aviso. Fica calmo.
- Eu estou calmo. (respondeu apavorado Zarro).
O carro parou numa encruzilhada deserta. Devagar o rapaz retribuía-lhe o fato. Devagar jogou o morto no mato. Quando limpou as mãos, após a tarefa. A mulher deu a partida no carro. Pelo retrovisor a mulher fitava o cara diminuindo no ponto de fuga da perspectiva daquela imagem... no espelho retrovisor do carro. Foi nessas circunstâncias que Suzi conheceu... pois é (torturava-se a moça ruiva) não perguntei o nome a Zarro, com gravatas frouxas. E um cantil de uísque,

06

Na estrada extrapolavam na velocidade. Suzi ouvia o disco Hunkie Dory no talo do (volume do) toca-fitas do carro. O vento mexia com os cabelos desenrolados no ar movimentado da estrada. O cara era Zarro. Praticamente pelado. De camisa e de calças arriadas. Suzi o masturbava enquanto folgava algumas marchas no câmbio... do carro. Um posto de gasolina se aproximava. Encheram o tanque e aquela ocasião foi até oportuna. Ela perguntava para aquele frentista assustado:
- Nunca viu um homem pelado?


Chegaram a um hotel empoeirado naquele quase deserto. Jogaram umas bolsas para o alto. Afagaram a cama. Cansados. A moça foi rápido e colocou os calçados no surdo-mudo, parado no quarto. O cara deitou, na expectativa ouviu gotejado chuveiro. Suzi cantarolava Manu Chao. Sonolento viu um embaço. Que moça macia esfregava-lhe as carnes. Sem mais o que pedir... Zarro comeu: nunca mais se esqueceu que às moças finas não se pede – lambe-se o prato.


A cidade era cinza como todas eram também naquela época. Tinha praça e biblioteca. Os velhos sentavam ali todos os dias, enquanto as crianças se divertiam com os livros e os jornais. A escola era perto e com atendimento médico. Nem precisa de apelo de marketing e estúpido. Quase um gêmeo milênio. Naquela época as cidades cresciam em solo fértil. O dinheiro transitava na mão dos outros, de todo mundo. Por aí passaram algumas pessoas. Carros estressados buzinavam perturbando transeuntes. Ninguém pescava ali. As lojas pouco vendiam e nas lanchonetes os mosquitos polvilhavam. Foi na hora do rush.

07

- Por causa de Lia. (Bárbara)
- Da filha... (Hannah)
- Minha filha. Não posso ser egoísta. (concluiu Bárbara)
Na mesa da sala matavam o conhaque. Hannah secava a boca no último gole e desconversava sobre Sartre. Foram dormir mais tarde. Elas só queriam amanhã não lembrar de mais nada. Bárbara jogava tudo fora, no lixo. Garantindo o esquecimento. Colhendo as bingas espalhadas no chão. Guardando garrafas. Lavava os copos. Foi se deitar um pouco mais tarde. Enquanto Lia desaparecia nas almofadas da sala.


Por onde começa? No final que termina. Não tenha pressa. Evangelho da missa. As pessoas pensavam (como?). Ninguém entendia o certo. O brilho voltava como um ácido. Esquecia de tudo. Costurando os dias de fato. Para falar besteira, prefiro ficar quieto. A métrica não é tão importante. A máquina, repetia: a máquina. A fábrica, de manhã: a fábrica.

A luz refletia as cores. A sombra de um espelho d’água fazia o contraste. Sem defesa, com toda força ele reagia. “Depois de quantos dias o sol voltará a nascer?” Fazia um tempo frio, o vento tinha preguiça, as folhas nem secas sobraram. Os galhos realçavam a grama ressecada. Ele faz trinta anos amanhã. O sol tem preguiça. Todas as luzes e todas as cores estão fracas. Passaram dias. Belmiro Miranda lia a sorte em todas as esquinas da cidade. E que cidade? Caramba, não se entende nada. ‘lhufas.